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Romance de Amor: uma obra envolta em mistério e beleza

A obra é tradicionalmente creditada como “anônima”, e há poucas composições tão populares no repertório clássico que permaneçam com uma autoria tão incerta. Várias hipóteses foram levantadas ao longo dos anos, envolvendo nomes de compositores espanhóis e até mesmo latino-americanos.

03 de abril de 2025, às 14:04
Por João Vital Araújo

Entre as peças mais conhecidas e tocadas no repertório do violão clássico, Romance de Amor — frequentemente intitulada também como Romance Anônimo, Romance d’Amour, ou Estudio en Mi menor — ocupa um lugar singular. Sua melodia melancólica e singela tornou-se onipresente, especialmente entre estudantes e entusiastas do instrumento, sendo frequentemente associada ao aprendizado inicial do violão. No entanto, por trás de sua aparente simplicidade esconde-se uma rica e controversa história sobre sua origem e autoria.


A questão do compositor: quem escreveu Romance de Amor?

A principal curiosidade sobre Romance de Amor reside justamente em seu autor: ninguém sabe ao certo quem a compôs.

A obra é tradicionalmente creditada como “anônima”, e há poucas composições tão populares no repertório clássico que permaneçam com uma autoria tão incerta. Várias hipóteses foram levantadas ao longo dos anos, envolvendo nomes de compositores espanhóis e até mesmo latino-americanos. A seguir, destacam-se as principais teorias:

1. Antonio Rubira (século XIX)

Uma das atribuições mais antigas do Romance de Amor é feita ao violonista espanhol Antonio Rubira (também grafado como Rubira ou Rovira). Um manuscrito atribuído a ele e datado do final do século XIX foi descoberto e publicado por José de Azpiazu em sua antologia Romantic Spanish Guitar Music. Esta versão, com o título Estudio en Mi menor, apresenta grande semelhança com a peça amplamente conhecida.

Embora não haja provas definitivas, muitos estudiosos consideram Rubira o mais provável autor, com base em critérios estilísticos, cronológicos e paleográficos.

2. Fernando Sor (1778–1839)

Outra hipótese recorrente é a atribuição da obra a Fernando Sor, um dos mais importantes compositores da escola clássica espanhola para violão. No entanto, esta atribuição carece de qualquer base documental. Nenhuma versão da peça aparece em suas edições completas, e o estilo da obra diverge em aspectos relevantes da escrita refinada de Sor. Ainda assim, a hipótese perdura em algumas publicações mais antigas e gravações pouco criteriosas.

3. Francisco Tárrega (1852–1909)

Tárrega, mestre do violão romântico espanhol, também já foi creditado como autor da obra, sobretudo por editoras e gravações populares. No entanto, estudiosos do repertório de Tárrega, como Emilio Pujol, não incluem esta peça entre suas composições. A falta de manuscritos autógrafos e a inconsistência estilística enfraquecem essa hipótese.

4. Autoria latino-americana (século XX)

Há ainda especulações de que a obra teria origem no México ou em outro país latino-americano, especialmente devido à sua popularização em trilhas sonoras de filmes como Forbidden Games (Jeux interdits, 1952), onde a peça foi amplamente difundida como um símbolo da inocência infantil e da tragédia. Contudo, essa associação é posterior à provável data de composição, e não há evidência sólida que apoie essa origem.


A perpetuação do anonimato

O status de anonimato da obra acabou contribuindo para sua difusão. Editoras, intérpretes e professores sentiram-se livres para adaptá-la, ornamentá-la e rearranjá-la conforme o gosto da época. Algumas versões incluem variações melódicas ou harmônicas, modulações e arpejos adicionados — sem comprometer, no entanto, o núcleo expressivo da peça.

É justamente essa simplicidade e maleabilidade que fez de Romance de Amor uma espécie de “folclore” do repertório violonístico, no qual a autoria se dilui em sucessivas interpretações.


Conclusão

Romance de Amor é mais do que uma simples peça de estudo: é um enigma musicológico. Seu charme repousa tanto na beleza de sua melodia quanto na névoa de sua origem. Apesar dos esforços de estudiosos para identificar seu verdadeiro autor — com Antonio Rubira emergindo como o candidato mais plausível —, a obra permanece como um testemunho da força da tradição oral e da circulação informal no universo musical.

Ao tocá-la, o violonista não apenas pratica uma melodia comovente, mas participa de uma longa cadeia de transmissão cultural, onde a música fala mais alto que a assinatura.

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